Discurso IHGSC
Discurso na entrega da Comenda Manoel Joaquim de Almeida Coelho
Florianópolis, Palácio Cruz e Souza, 7/ dezembro/ 2005….
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Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Vivemos tempos interessantes, como dizem os chineses a propósito de vidas cheias e estimulantes. Tempos interessantes, em que mais uma vez a História parece adquirir velocidade sem precedente, a tal ponto que estejamos todos, em particular os historiadores, profundamente preocupados com o futuro imediato do nosso ofício e de como será, amanhã, não apenas o texto histórico, mas como será a produção da história.
De tempo muito recente, a memória nos remete às discussões acadêmicas, na faculdade, sobre o distanciamento e a imparcialidade com que o historiador deveria produzir o seu ofício. A metodologia, a pesquisa, a interpretação do documento, enfim, o tradicional decálogo do nobre ofício. Agora, na multiplicação das fontes históricas e na velocidade dos acontecimentos, o historiador se depara com outras dúvidas e a angústia de buscar novos caminhos. Não há respostas no curto prazo. As mudanças são radicais e abruptas demais para que tenhamos já, no calor dos fatos, possíveis caminhos ou metodologias adequadas. Assim como todos os demais, compartilhamos da perplexidade que alcança a todos os moradores atuais da velha e cada vez mais encolhida mãe-terra.
Não se passaram quatro décadas, desde que Arnold Toynbee produziu o seu alentado “Um Estudo de História”, esmiuçando várias civilizações e, finalmente, escorregando a uma escatologia cristã e divina para explicar o sentido da história. Antes do historiador inglês, o pensador católico francês Teilhard Chardin, em sua “Cosmogênese”, também refluía para uma dimensão divina do vir a ser do homem e da terra. Ontem, portanto, apesar das leituras marxistas da história feitas por admiráveis historiadores como o J.P. Taylor ou Eric Hobsbwan, tivemos o contraponto de leituras do mundo realizadas em comunhão a um pensamento filosófico que culmina em Deus.
Não estamos retornando à Idade Média, nem teremos uma nova “Cidade de Deus”, mas certamente a história neste limiar do século 21 se encontra na encruzilhada e no impasse próprios dos momentos das grandes transformações. Não há como escapar da constatação de que a informática, o microchip, a nanociência, o celular e principalmente a Internet, estão promovendo um notável e fantástico rompimento com tudo o que tivemos até aqui em matéria de entendimento, interpretação e narrativa da história.
O que é um documento histórico hoje? Que acontecimentos terão interesse histórico, diante de um mundo especializado em produzir fatos ininterruptamente? Como serão os arquivos históricos de amanhã? Qual o papel do historiador neste mundo da velocidade, do presenteísmo e do descartável? Como serão os livros de história dentro de cinco décadas? Como preservar sítios históricos e grandes monumentos diante do turismo predatório e poluidor? O que conseguiremos salvar da herança cultural da humanidade e, principalmente, o que será mesmo a herança cultural do terceiro milênio?
Não ousaria responder a nenhuma destas indagações, mas ouso colocá-las neste seleto auditório, diante de colegas ilustres e muito mais preparados. Acho que são cabíveis neste recinto do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, a mais antiga instituição cultural do nosso Estado, e neste momento tão especial para este apaixonado pela História. Serão os temas de hoje e de amanhã, que não nos deve assustar ou entristecer, mas ao contrário, deve nos estimular a mente e nos mobilizar para que acompanhemos as mudanças e as transformações.
Nossas concepções de História estão mudando. Novos paradigmas e novas metodologias estão a caminho. A História continuará a fascinar milhares de homens e mulheres, que buscam no passado luz e sabedoria para decodificar o presente e acreditar no amanhã. Contrariando o escritor americano Alexander Stille, autor de um inquietante “A destruição do passado”, livro que trata das ameaças da tecnologia à preservação do passado da humanidade, não sou dos que partilham o sentimento de que o passado não terá futuro. Ao contrário, acho que a tecnologia pode ampliar consideravelmente o entendimento da história, bem como o ofício do historiador, que tem a missão de lembrar o que os outros esquecem, como disse Hobsbawn.
Duzentos e treze depois do nascimento daquele que é considerado o primeiro historiador de Santa Catarina – Manoel Joaquim de Almeida Coelho – nascido aqui na Freguesia do Desterro, patrono da cadeira número 30 da Academia Catarinense de Letras e autor de “Memória Histórica da província de SC”, publicada em 1856, desejo manifestar meus agradecimentos mais sinceros à homenagem que me presta a diretoria e os conselheiros do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina. Recebo com honra e muita satisfação a Comenda ”Manoel Joaquim de Almeida Coelho” e a compartilho com meus colegas historiadores de Joinville.
Como todos os senhores sabem, o ofício do historiador é, acima de tudo, o exercício da solidão. O pesquisador quando se lança a uma tarefa ou a um propósito, faz a opção pelo silêncio dos arquivos na solitária e individualizada busca de novas informações, ou mesmo para confirmar fatos, ratificar datas e confirmar nomes. Uma tarefa, contudo, capaz de provocar adrenalina e entusiasmo, à medida em que o trabalho vai adquirindo sentido, robustez, coerência e se arma então o texto bem elaborado para permitir a milhares de outros amantes da história a partilha do entendimento e a claridade da compreensão.
Passageiro dessas incursões, estive por cerca de 30 anos consecutivamente envolvido em pesquisas históricas, ao lado do igualmente nobre e difícil ofício do jornalismo diário em minha A NOTÍCIA. Foram anos de produção e de trabalho contínuo, que certamente justificam ao nosso Instituto a concessão de tão honrosa comenda a este aprendiz do mundo.
O que mais posso dizer?
Digo, na linguagem do coração e da gratidão, muito obrigado!