Tempo é dinheiro
Uma das pérolas do saber popular desde a década de 1950 categoriza que ‘tempo é dinheiro’. Nasceu com o sucesso do capitalismo americano no pós-guerra. No auge, os gurus da economia diziam que a concentração de esforços no ganho imediato e veloz de dinheiro era o mesmo que ‘sucesso’. Inevitável dizer que o mundo correu atrás. Os anos do ‘milagre brasileiro’ no pós-golpe de 1964 induziram os brasileiros a promoverem a receita do ‘tempo é dinheiro’, com o acréscimo de que ‘o importante é levar vantagem’, como essencial para a sobrevivência.
Lemos na semana que acadêmica brasileira está fazendo estudos abrangentes sobre os fatores para se alcançar o sucesso e já concluiu que sim, ‘dinheiro traz felicidade’. Grande conclusão. Sem dinheiro a vida pode ser menos feliz, concluiu a moça. Precisa de pesquisa para tal conclusão? Num mundo dominado pelo consumo, dinheiro é a droga essencial do século 21. No Brasil e em qualquer outro ‘paraíso’ da mãe-terra.
Poucos fizeram, contudo, a indagação correta da questão: o que é o tempo? Como se sabe se trata de questão antiga, que já preocupava os pais da filosofia na Grécia clássica. O tempo escorre e o homem não o entende. Apesar de Anaximandro, Newton, Copérnico ou Einstein. Passando por Santo Agostinho, por volta do ano 400 da nossa era, de Shakespeare, ou até mesmo de Nelson Rodrigues, ninguém conseguiu dar explicação convincente sobre a questão. O tempo – o tema do tempo – consumiu a vida de um italiano dos nossos tempos, que além da Física e da Astrofísica, publicou alguns livros enigmáticos e saborosos. Carlo Rovelli é especialista em gravidade quântica e, no Brasil, já temos ‘A realidade não é o que parece’ e ‘A ordem do tempo’. Não encontraremos prosaicas meditações sobre a enganadora certeza de que ‘tempo é dinheiro’. Pessoas voltadas à compreensão de assuntos mais transcendentes não se ocupam em administrar as pequenezas do cotidiano.
Depois de uma vida dedicada à compreensão do tempo, explicando, contestando ou melhorando as propostas de gente como Anaximandro e Einstein, Rovelli conclui que o tempo não existe. Trata-se de armadilha que o Sapiens constrói para o autoengano. Tempo e espaço sempre ocupam os homens. Alguns para construir impérios, outros para enganar a fome. Mas, de fato, deve existir uma dimensão menos bruta para a compreensão do universo e para o cumprimento existencial de nossas vidas. Rovelli, por exemplo, dedicou a vida a perquirir sobre extensões do tempo e do espaço, e se não deixou teorias convincentes ou mais compreensíveis, deixou livros interessantes, nos quais se gasta algum tempo e não ficamos mais ricos financeiramente. Enfim, se o tempo não existe e desaparece em qualquer dimensão, o dinheiro pode ser uma grande cilada.
Rovelli diz que ‘nossa percepção de fluxo de tempo depende da nossa perspectiva, da estrutura do nosso cérebro e das nossas emoções, mais do que o universo físico’. Fluxo de tempo é uma das nossas mais enigmáticas abstrações, e tanto pode nos conduzir a mundos soberbamente mais reais e significativos, quanto nos induzir a depressões profundas. Buscar dinheiro pode reduzir nossas vidas a limites infinitos de pobreza e mesquinharia. Buscar nossa localização e nossa função na complexidade cósmica, é dar um sentido mais nobre aos dias que passamos por aqui. Dinheiro é importante, mas não essencial na construção de um sentido para as nossas vidas. É o que disseram todos os filósofos de todos os tempos e dizem os físicos teóricos de nossos dias. Marcelo Gleiser, brasileiro, é um dos mais eficientes em mostrar as grandezas e miudezas dos mistérios da vida, do tempo e do espaço. É saudável cuidar do espírito, num sistema que deseja nos impor a ditadura do consumo, do dinheiro e da exibição permanente de coisas fúteis, efêmeras e indissolúveis, como a busca de explicações para espaço-tempo, expansão do universo e buracos negros. (aternes@terra.com.br – apolinarioternes.com.br)