Nariz quebrado
Os argentinos estão enfurecidos com a crise. No caso deles, a crise existe desde a década de 1930, quando surgiu o peronismo. Por obra e graça de algum poderoso e permanente exercício de paciência, los hermanos mantiveram a pose até aqui, quase um século depois. Agora, às vésperas de nova eleição presidencial, os argentinos estão vivendo sob temperaturas altas e podem cair em violência aberta. Nesta semana, motoristas de ônibus quebraram o nariz do secretário dos transportes em plena rua, à luz do dia e dos fotógrafos.
Outro sinal. Mais um, de que parte do hemisfério Sul pode estar iniciando um novo e violento incêndio. Quando uma autoridade governamental é atacada fisicamente, em razão do colapso do diálogo e da paciência é bom prestar atenção. Aliás, caminhamos todos, também o Brasil, para algum tipo de ruptura institucional. A crise econômica e os preços dos alimentos estão colocando mais fogo numa fervura que poucos reconhecem e todos temem.
Os 100 dias do novo governo foi um balde de água fria nos eleitores. Não fosse a fuga de Bolsonaro para a Florida, os 100 dias do Lula teriam tomado outro rumo. Apesar do ensaio de tomada do poder pela banda enfurecida da extrema direita, no 8 de janeiro, Lula talvez tivesse feito uma largada menos desastrosa e menos vazia. O governo tem dificuldade de se pôr de pé. Um festival de besteiras assola o Brasil neste início deste quinto governo do PT. Todos falam o tempo todo, anunciando fantásticas liquidações: passagens aéreas por 200 reais; arcabouço fiscal para viabilizar arrecadação de 150 bilhões de reais; encerramento do programa de saneamento; pulverização da lei das estatais para abrir caminho para políticos derrotados nas urnas; mais dinheiro para os artistas; manutenção do orçamento secreto para os amigos de Lira, tudo recheado e decorado com muita demagogia, populismo e salvacionismo.
Enfim, daqui a pouco, talvez em 9 meses, aconteça por aqui o que se registrou em Buenos Aires nesta semana- briga de rua entre motoristas e autoridade do governo. Os ânimos estão quentes e devem piorar na sequência dos meses. Lá e aqui, como, de resto, na Ucrânia e em Paris. Há tumulto e gestos explosivos de violência estão a caminho. Narizes quebrados poderão se multiplicar. Como também outros episódios de insanidade poderão se repetir. Como o da escola em São Paulo e o da creche em Blumenau. As pessoas estão no limite. Vive-se na ponta de extremos incendiários e a população já vive sob níveis de pânico e desesperança bem acima do mínimo suportável.
A política no Brasil, como aliás em boa parte do planeta, de Israel a Bogotá, de Buenos Aires a Paris, continua um festival de demagogia, populismo e resultados mínimos. Os governos servem apenas para atender aos governantes. Aos governados, o dever de pagar impostos. Tudo está caro porque os governos estão famélicos e desesperados por dinheiro, para distribuir aos seus. Cortar gastos, nem pensar. Reduzir a burocracia, impensável. Cobrar eficiência, só na arrecadação.
Quem sabe não estamos mesmos entrando no ciclo do nariz quebrado. Não será com uma briguinha de rua que iremos consertar o governo, mas foi assim que a coisa começou em julho de 1789 nos arredores de Paris. Derrubaram a bastilha e botaram a guilhotina a funcionar. Fizeram uma revolução, mas nem por isso os homens recuperaram o bom senso. A democracia continua um sistema com falhas, onde prosperam os falastrões de sempre, príncipes da mágica e da mentira. (aternes@terra.com.br)