A morte civil
Tudo o que a Argentina está passando, vai se repetir no Brasil. Lá como aqui e agora, toda uma sociedade se declara em coma induzido, negando qualquer tipo de reação aos desmandos do Estado, em novo ciclo de obscurantismo e chumbo.
Somos 200 milhões de silenciosos diante de uma das mais repulsivas crises desde que a República foi anunciada a galopes de generais em 1889. Como vimos e sabemos, agora os generais são outros e seus comandos de quase nada valem. O que vale são os comandos da Suprema Corte, os mesmos que colocaram o Brasil de hoje de ponta-cabeça. Há um cheiro de Equador e Venezuela também no Brasil.
Não surpreende o Estado autoritário e mentiroso, ainda pior do que o anterior, surpreende é o nível de anestesia que congela o corpo físico da nação. Ninguém reage. Nem mesmo as instituições civis. Não há uma única voz denunciando o chumbo pesado que escurece os céus do Brasil. Nada de nada. As entidades de representação histórica como a Ordem dos Advogados do Brasil, a Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros, a Associação Brasileira de Imprensa, a União Nacional dos Estudantes, a Confederação Nacional da Indústria, do Comércio, dos bancos e tantas outras cumprem inominável silêncio. O Brasil é um ‘país dos coitadinhos’, como profetizado em título de livro no passado recente.
Silenciosos, enganados todos os dias, polarizados entre dois discursos vazios, o povo se mantém como rebanho e gado. Enquanto isso, a nação afunda num ciclo de raiva, subordinação e mediocridade. O Estado brasileiro, do Município à União, é um asilo imenso de ‘líderes’ de coisa nenhuma. Somos governados, talvez, por uma única e absoluta geração de governantes incompetentes. Mesmo os que adotaram a mídia digital, continuam apenas e tão somente os mesmos ‘coronéis’ que mantiveram a nação por mais de dois séculos no curral de sempre.
O resultado de tudo isso está diante de nossos olhos: continuamos reféns de populismo ainda mais brutal do que aquele que enlameou a Argentina no ciclo do peronismo. Eles foram à hiperinflação e tentam escapar ao naufrágio da pobreza absoluta. Foram sete décadas de ilusão e cumplicidade dos ‘políticos’ de lá. Aqui, seis décadas após o golpe de 1964, continuamos atolados em populismo pior. Agora, com a conivência e participação do que chamávamos ontem de imprensa, que todo o tempo, em todos os canais, além das redes sociais, ‘passam o pano’ em todas as miseráveis demonstrações de vileza sem fim que nos sepulta na desesperança. Sabemos apenas que novo tsunami está a caminho, enquanto fazemos de conta de que ‘nunca’ estivemos tão bem. Mesmo que parte do corpo carnal e espiritual da nação esteja sob anestesia completa. De quantos males é feita a história? Até aonde vamos suportar calados? O Grande Irmão ficará até quando? A morte civil nos encurralou a todos? (aternes@terra.com.br/ 5/04/24)