Amigo para a eternidade
Nesta sexta, dia 26, completam-se sete dias da morte de Gonçalo Arnaldo do Nascimento, empresário do comércio lojista em Joinville, falecido aos 80 anos e 11 meses de idade. Nascido em Tijipió, distrito de Tijucas, de família pobre, muito cedo soube que teria que batalhar para alcançar um lugar melhor na vida. Aos 14 anos, já trabalhava como ajudante de frentista num posto de gasolina e também numa pequena oficina mecânica.
Veio de Tijucas para Itajaí e depois para Joinville, em 1959, para servir ao Exército no então 13º Batalhão de Caçadores. Já em pouco meses conseguiu se destacar na vida militar e só não permaneceu na carreira em razão de incompreensível descontinuidade do destino. Aos vinte anos, conseguiu emprego no grupo Catarinense, de farmácias e laboratório. Depois chegou à Fundição Tupy e dali ingressou em nova carreira: no magistério, como professor de Matemática. Por alguns anos, esteve nas salas de aula do Bom Jesus, do Celso Ramos e do Elias Moreira, nesta última instituição começou como aluno, ainda no Conselheiro Mafra, passando a professor e, adiante, foi guindado à direção do colégio.
Foi no Elias Moreira que Gonçalo voltou a demonstrar o seu forte espírito empreendedor, definindo rumos bem ambiciosos para o colégio, com o apoio direto e sólido dos irmãos Baltazar e Hilário Buschle, empresários de prestigioso grupo industrial já na década de 1960.
Em 1981, foi buscar nas salas de aula do Colégio Bom Jesus o professor Felix Negherbon, levando-o à direção do Elias Moreira, onde este ficaria por três décadas, executando notável plano de expansão, culminando com a criação de cursos superiores e a construção de majestoso complexo de prédios, inclusive um magnífico teatro, sem paralelo na história da cidade.
Desde o final da década de 1960, casado com Walderlourdes Brandão, Gonçalo iniciou com a esposa, também professora, um modesto negócio no comércio de calçados. De forma autônoma, como vendedores de sapatos para amigos e conhecidos, inclusive e principalmente para outros colegas professores. A ideia deu certo e em pouco tempo o casal dividia as atenções do magistério com as ocupações de empreendedores no comércio varejista. A primeira Loja Apolo foi inaugurada em 1969. Muitas outras viriam ao longo de 50 anos, pontificando o nome Apolo – criado a partir dos foguetes então na moda, num dos quais o homem aterrissaria em solo lunar no dia 13 de julho de 1969- como a maior rede de lojas de calçado do Norte de Santa Catarina.
Foi o pontapé inicial de uma carreira de êxitos na vida empresarial, que rapidamente conduziu Gonçalo à liderança no comércio varejista de Joinville e no qual daria muitas outras contribuições alterando o processo de crescimento e modernização do comércio lojista de Joinville nas cinco décadas seguintes. Além da rede Apolo, atuou pujantemente no então Clube de Diretores Lojistas – atual CDL – dinamizando suas atividades e priorizando a qualificação de empresários no comando das empresas afiliadas e de toda a mão de obra, que teria no centro de formação profissional criado na sede da entidade um dos fatores decisivos para a evolução do comércio lojista da cidade.
Como retribuição, a atual Câmara de Dirigentes Lojistas, em cuja presidência atuou também o filho Alexandre Brandão, deu o nome de Gonçalo ao referido centro de formação profissional. Eleito para a presidência do Sindicato patronal do comércio, ali exerceu silenciosa e igualmente rica trajetória, culminando com a aquisição de prédio na Rua Princesa Isabel, onde funcionou por algum tempo a Telesc, sucessora da Companhia Telefônica Catarinense. Transformado em sede do sindicato e em centro comercial de onde provém aluguéis que subvencionam as atividades da entidade patronal. O sindicato, igualmente, prestou reconhecimento ao seu grande impulsionador denominando as instalações como Centro Comercial Gonçalo Arnaldo do Nascimento.
O que poucos sabem, é que o empresário e educador teve que enfrentar poderosos o tempo todo, a fim de consolidar os seus ideais de empreendedor e modernizador de Joinville. Uma de suas mais ousadas peripécias ocorreu junto à Associação Comercial e Industrial, quando propôs a retirada dos serviços de proteção ao crédito – Seproc – então na mais antiga entidade de representação de classe, e sua instalação no Clube de Diretores Lojistas. Foi uma polêmica dos grandes e poderosos, da indústria de um lado e do comércio de outro. Gonçalo dialogou, teimou e assumiu riscos, mas o tal serviço acabou com os lojistas, o que significou perda de receita para a centenária instituição, ainda instalada na Rua do Príncipe, no último andar do Edifício Manchester, ali construído em razão da efetiva liderança de Dieter Schmidt no meio industrial da cidade.
De Gonçalo Nascimento, de quem tive o privilégio de desfrutar quase 60 anos de proveitosa amizade, da juventude de nossos vinte anos à maturidade, é preciso dizer outras e mais valiosas experiências. Não sei o dia em que nos tornamos amigos, mas sei que não houve dia ao longo de mais de meio século que não soube aprender com o nobre amigo. Silencioso, prudente, mais ouvinte do que orador, prestativo, diplomático, otimista, foi uma personalidade que sempre cativou os que viviam à sua volta. Desfrutamos de um convívio longo e próximo. Nossos filhos cresceram juntos. Nossas mulheres sempre foram amigas, desde o maio em que me casei com a Rita, vinda de Curitiba, no ano de 1974. Fizemos muitas viagens à Europa e às Américas, sempre juntos, com outros casais. Acompanhou minha carreira no jornal. Sempre esteve presente nos lançamentos de meus livros, num dos quais, muito acertadamente, também o inscrevi na galeria dos personagens de destaque na história moderna de Joinville.
Gonçalo sempre foi uma pessoa singular, de estirpe nobre e sempre foi reconhecido como um empresário correto, um líder comunitário de dedicação plena. Um velho amigo, daqueles que precisamos, depois de tantos anos, apenas ficar ao lado. As palavras não eram mais necessárias, apenas o silêncio e alguma bebida para ‘ beberarmos a vida’, dizia ele com tanta simplicidade e sabedoria. Um cidadão à moda antiga, um empreendedor incansável. Um amigo para a eternidade. (aternes@terra.com.br/ 25/05/2023)