Caminhar
Gosto tanto de ler quanto de caminhar. Duas tarefas que executo com prazer, degustando cada passo ou cada página. Caminhar é o exercício essencial do homem. Há milênios caminhamos sem parar, nos conectando com a mãe terra e descobrindo os segredos e as maravilhas da natureza. Aliás, escritores apreciam muito bater pernas por aí. Os filósofos da era clássica já desfrutavam dessa arte sofisticada e excepcional de colocar as pernas em movimento.
Caminhar é acionar a maquinaria interna e, com ela, num lento agito de células e líquidos, vamos aquietando o espírito, enquanto o corpo vai adquirindo um novo ritmo. Compassado, levemente aquecido pela circulação em funcionamento que nos gera um despertar do cérebro e facilita e alimenta os pensamentos. Sempre precisei caminhar para escrever. Depois de horas de teclado, nada mais recomendável e eficiente do que uma boa caminhada. Na volta, estamos com a cabeça arrumada e bem resolvidos os impasses da escrita. Caminhar é estimular o cérebro, colocá-lo em funcionamento e em comunhão com o silêncio, comungar da ordem natural do mundo.
Os pensadores sempre recomendaram a caminhada e ela sempre foi muito popular nos dois últimos séculos. Jean Jacques Rousseau, Henry David Thoreau, poetas britânicos, caminhantes de todas as idades e nacionalidades continuam por aí, oxigenando cérebro e criando soluções. Percorrer trilhas junto à natureza é entrar em estado de oração, contemplação, certamente duas das necessidades básicas do nosso tempo, tão conectado e barulhento.
Muitos peregrinos escreveram grandes livros sobre a arte de caminhar. ‘’Caminhar, uma filosofia’, de Frederic Gros; A Arte de Caminhar’ de Merlin Coverley ou ‘ A História do Caminhar’, de Rebecca Solnit, são boas indicações. Aliás, ler sobre a arte de caminhar é tão bom quanto. Lendo, repetimos inconscientemente as mesmas emoções do autor andarilho. Assim, posso caminhar a qualquer hora do dia ou da noite, esteja ou não chovendo ou sol a pino. Caminhar é tão libertador que pessoas caminham até mesmo em volta do próprio quarto. Ou repetem itinerários por meses seguidos.
Caminha-se sozinho, de preferência. O silêncio é o segredo do caminhar. Nossa mente e nosso físico, numa miraculosa experiência de vida. O tempo do caminhar é o nosso tempo mais sagrado e mais terapêutico. O tempo que reservamos para restabelecer a conversa mais interessante que fazemos desde que colocamos os pés no mundo – a conversa que fazemos conosco mesmos. Essa é a conversa. Mas pode, também, ser o caminho para a edificação do silêncio, tão essencial e vital para a saúde mental. Aliás, é de silêncio que precisamos, num mundo tão agitado por instrumentos de comunicação que não nos deixam sozinhos um minuto sequer. Vivemos sob infernal cacofonia de vozes, ruídos, buzinas e apelos.
Bem por isso caminhar é restaurador, pois nos repõe a energia, aquieta nosso espírito, faz bem para a nossa alma. Silêncio e passos largos, restauradores da boa forma, do corpo e da alma. Experimente. Saia com as próprias pernas sempre que puder. A felicidade existe, é preciso caminhar em sua direção. De preferência em silêncio e desacompanhado. (aternes@terra.com.br – www.apolinarioternes.com.br ).