Cólicas corporativas
O ano começou com notícias surpreendentes na economia. Mais especificamente no mundo corporativo. Grandes empresas ‘descobriram’ inconsistências contábeis de dezenas de milhões de reais. Outras ‘descobriram’ dívidas de várias centenas de milhões de reais. Nomes pomposos como Americanas, Marisa, Tock & Stock vieram à luz. No cenário econômico global, as chamadas big tech anunciaram demissões em massa, de 5 a 10 mil empregados nos próximos meses.
Que reviravolta é essa? Cólicas do mundo corporativo que, pós-pandemia, tenta se acomodar a novos parâmetros de consumo, demanda e endividamento. Mas não são apenas acomodações nos planos estratégicos e negociais que estamos vendo neste começo de ano. Os valores de vida também foram afetados decisivamente. As pessoas estão mais decididas a viver o hoje e consumir menos, em nome de liberdade e de tempo livre para atividades mais nobres. E isso afeta diretamente a economia, como estamos vendo. Mas não explica tudo, pelo contrário.
Inconsistências contábeis sempre estiveram presentes no capitalismo. Como é fácil consultar, a livre concorrência e a meritocracia funcionaram em parte ao longo dos últimos cem anos. Contudo, agora, por fatores múltiplos, o sistema começa a tropeçar em boa parte do planeta. É disso que se trata. Na economia dos Estados Unidos do começo do século passado, também os grandes titãs do capitalismo inventaram soluções contábeis e operacionais. Fizeram o diabo, como o PT para ganhar eleições. Igualzinho. Surgiram os grandes conglomerados de setores como o metalúrgico, das ferrovias, do cimento, da indústria automobilística, da aviação e, depois, dos supermercados, do imobiliário e das lojas de departamento. Essa foi a estrada da grandeza da economia dos Estados Unidos entre os anos de 1890 a 1950.
Impérios foram criados e muitos desmoronaram nas últimas décadas. Por fraudes contábeis, por desvio de grandes somas de dinheiro, por investimentos feitos de forma amadora e por reações do público investidor e consumidor. Grandes falências sempre abalaram o mundo corporativo. No Brasil igualmente. Nesta terceira década do século 21 novas colisões tectônicas estão abalando grandes e pequenas economias. No Brasil não é diferente. Numa visão abrangente é fácil resumir: o capitalismo está produzindo acomodações. Elas decorrem de mudanças tecnológicas estruturais, hábitos de consumo menos alienantes, preocupações reais com o meio ambiente e drásticas mudanças climáticas, que aterrorizam ainda mais a opinião pública pois a televisão mostra que as tragédias se repetem em todos os cantos do planeta. Quase toda semana, o ano inteiro.
Assim, é preciso acomodar para sobreviver. Na concorrência enlouquecida que o capitalismo online despertou, empresas grandes e pequenas não estão conseguindo botes de sobrevivência. E afundam. A ‘inconsistência contábil’ é apenas um subterfúgio. Ou, como no passado dos ‘titãs do capitalismo’, golpes mesmo, muito bem aplicados e por gente de primeira linha. É o que estamos vendo, aqui e no quintal do mundo.
São cólicas do regime capitalista, ele mesmo sendo desafiado de forma estrutural no século 21. Economistas e livres pensadores sempre cuidaram desses temas e sempre conseguiram alinhar explicações inteligentes algumas e especulações outras. Desde 1776, quando Adam Schmidt publicou ‘A riqueza das nações’ que a ‘mão invisível’ do mercado organiza e explica os mares sempre dantescos da economia. Vejamos o que as cólicas de 2023 irão produzir. Não tenho dúvida que o consumismo desvairado está acabando e iremos reinventar a economia. Não será sem dores e ranger de dentes. Outros em www.apolinarioternes.com.br (aternes@terra.com).