Luiz Henrique
Um ciclo da história
— Apolinário Ternes
A morte de Luiz Henrique encerra um ciclo na história de 164 anos de Joinville. Ele ocupou a cena política de 1971, quando assumiu a presidência do MDB em Joinville, até ontem, data de sua morte. Foi deputado, prefeito, ministro, governador em dois mandatos e senador da República.
Minha relação pessoal com ele foi intensa, convulsiva e feita de emoções radicais. A primeira surpresa, a tive quando ele num dia 11 de maio – como hoje – em 1974, compareceu ao meu casamento com a Rita, em Curitiba. Ocupava, então, o cargo de assessor de imprensa de Pedro Ivo, que não pôde aparecer à festa. Desde lá fomos amigos, companheiros e, por vezes, estivemos em linhas opostas. Unira-nos, acima de tudo, o respeito pela cultura, pelo humanismo e pela visão maior que sempre teve, da vida, de Joinville e do mundo.
Na vida pública, ele político e eu jornalista, só podíamos estar em linhas opostas. Por mais controverso ou enigmático que isto possa ser. Conciliador, otimista, pragmático, Luiz Henrique foi um político radical em todo o sentido. Ocupava espaços, sempre. Com a morte de Pedro Ivo cuidou de ocupar o posto de principal líder e articulador político do PMDB em Santa Catarina. E o foi, inexcedivelmente, até ontem. Abre um vazio impreenchível por muitos anos. A vida, o mundo e a política continuam. Como sempre. Encerra-se, portanto, um capítulo de 40 anos na política de Joinville e de Santa Catarina.
Gostaria, agora, a pedido do jornal, de escrever sobre o humanista Luiz Henrique. O homem da cultura, da leitura, da estética e do bom senso. As demais facetas serão abordadas por outros analistas, e é, de novo, um privilégio falar do Luiz Henrique da cultura e da memória.
Estava marcado para o dia 20, o lançamento de seu livro ‘Quarentena’, de 1.300 páginas, com capa de Juarez Machado, pela editora Letra D’água, de Joel Gehlen. Prefácio, também, de Juarez Machado, o outro fora de série e expoente da Joinville da segunda metade do século 20 e inícios desse terceiro milênio. O majestático livro, de que tenho o privilégio de conhecer o primeiro exemplar, reúne artigos publicados na última década neste jornal e em outros do interior de Santa Catarina. De fato, é uma síntese do Luiz Henrique humanista, ‘genial e visionário’ nas palavras do prefaciador Juarez Machado.
O livro traduz e sintetiza um Luiz Henrique que poucos conheceram na intimidade. O homem culto que sempre teve um admirador, o próprio pai, o sempre saudoso jornalista Moacir Iguatemy da Silveira. Luiz Henrique, afinal, foi um político como poucos em Santa Catarina. Não era esta, contudo, sua missão. Gostaria de ter sido jornalista, daí nossa convivência, construída de sentimento, admiração e reciprocidade de gosto.
Tanto foi um jornalista sem ter podido sê-lo, que escreveu artigos dominicais em A Noticia por quarenta anos. Tinha orgulho de seu espaço e o ocupou sempre, tanto no exercício dos mandatos de deputado, senador, ministro ou governador de Santa Catarina. Disso resultaram três publicações em livro, o primeiro do quais tive a honra de ser prefaciador. O último, pronto e de 1300 páginas, já será obra póstuma, por capricho do destino.
Luiz Henrique começou a vida em Joinville, em 1967, como professor de História, no ‘Bom Jesus’. Jamais se distanciou dela, a história. Cidadão do mundo, protagonizou em primeiro grau, a história de Joinville e de Santa Catarina e participou de perto da história nacional, no movimento das diretas-já e do exército que lutou contra a ditadura no MDB dos anos 70.
Prefeito de Joinville, em 1977, me colocou na direção do Arquivo Histórico, substituindo o historiador Adolfo Bernardo Schneider, para cumprir compromisso e ter condições de negociar com a família Ficker o acervo documental que hoje constitui, ainda, 90% do que há de documentação dos primeiros anos de fundação da cidade. Sem o seu gesto, na aquisição do acervo, Joinville não teria arquivo histórico hoje. Depois, me desafiou a escrever um livro sobre a história, no que resultou no ‘História de Joinville, uma abordagem crítica’, publicado em 1981 e, desde então, esgotado. Dele foi a proposta para o centro de eventos e maior dimensionamento do Festival de Danças. Dele, ainda, a decisão de trazer a escola Bolshoi, no ano de 1998, como todos sabem.
Como falar dos artigos de Luiz Henrique? Seria como perguntar como se poderia sintetizar 1300 páginas de diferentes e singularíssimos artigos sobre Joinville, suas famílias, suas coisas, suas grandezas e limitações. Acima de tudo, Luiz Henrique foi um visionário, que sempre pensou muito além do seu tempo. Sim, sempre esteve fora do tradicional e do convencional. Sim, ele podia falar ou escrever sobre balé, ópera, música clássica, tanto quanto do samba, do carnaval ou da festa das flores e sobre a indústria de Joinville e Santa Catarina. Admirava Domenico de Masi, de quem se fez amigo, pois, afinal, gostava de mentes privilegiadas e adorava os sonhadores. Como Antonio Mir, que tanto apoiou e tanto considerou. Assim como a Juarez Machado, a quem tributava todas as honras. Foi mais do que um político por instinto e sobrevivência, foi um humanista que se ajoelhava diante da arte e da beleza. Neste sentido, reconheça-se, foi um solitário. Na política, foi um cavaleiro singular, pois nela raros são os dotados de inteligência e sensibilidade. Por isso mesmo, a política roubou tanto do humanista Luiz Henrique. Advinha daí, talvez, nossa mútua admiração e carinho. Jamais poderei esquecer de seus apelos públicos em orações e energias, quando agonizava do ‘Dona Helena’, em julho do ano 2000. Nem da profunda gentileza e carinho quando da morte de minha irmã Neide em Joinville e eu no Chile, participando de viagem oficial do governo. Sim, temos um gigantesco edifício de emoções juntos. Jamais as esquecerei, como, nunca, sairá da memória nossas descontroladas conversas sobre escritores, história e cultura. Humanista, leitor, viajante, apreciador de quadros e melodias, Luiz Henrique – apesar disso tudo – foi, de fato, o político mais passional e arrebatador de Joinville e de Santa Catarina no último meio século. Sua morte abre um vazio que o tempo e a própria história se encarregarão de preencher. Disso, afinal, foi feita a vida dele mesmo, o político e o humanista Luiz Henrique, um capítulo inteiro da história da cidade.