Memória
Artigo, 2-5-15
— Apolinário Ternes
Quem alcança o privilégio dos anos maduros, vencendo planícies e montanhas, mantém num cantinho livros preferidos. Quem não tem nenhuma prateleira, avalie o que fez, pois, afinal, os livros guardam a memória do tempo, das civilizações, dos prazeres da mente e desassossegos da alma. Numa manhã dessas, pus-me a rever os meus, movido pelo desejo de degustação e arrumação.
Na primeira prateleira – e não são muitas – empaquei a manhã. Estavam enfileirados: ‘Os últimos dias’, de Liev Tolstói, e suas reflexões sobre a Rússia, com críticas a ninguém menos do que Shakespeare. É hora de relê-lo, na íntegra. Ao lado, Ítalo Calvino – Seis propostas para o próximo milênio – imperdível. Depois, J. M. Coetzee, Nobel de 2003, com seu ‘Elizabeth Costello’, renovador, inspirador, indispensável. Perdido, ‘O Pão do Deserto’, sábio e erudito livro de Thomas Merton. Relê-lo é da maior urgência. A teologia do Antigo Testamento pelo importante monge do século 20. Seguiam-se lado a lado: Jacques Lê Goff, Virginia Woolf, Marshall Berman e o livro de Néri Pedroso, sobre os 40 anos das coletivas de artistas de Joinville. Folheei e me deparei com meus próprios textos sobre arte na década de 1970. Com fotos de uma geração inteira de artistas, Mir, Delai, Albertina, Moa, Marina Mosimann, Schwanke e tantos e tantos outros. Pura memória.
Duas horas depois, desci outro punhado. ‘Mitos do individualismo Moderno’, ensaios de Ian Watt sobre Fausto, Dom Quixote, Dom Juan e Robinson Crusoe. Uma ‘História das Invenções’; biografia de Winston Churchill, de Stuart Ball; ‘Rumo à Estação Finlândia’, de Edmundo Wilson; ‘Vida Líquida’, de Zygmunt Baumann, sobre as contradições e exuberâncias do capitalismo hoje, nos tempos que testemunhamos. E, volumoso, um ‘Dicionário Político Catarinense’, do historiador Walter Piazza, com dedicatória assinada em 6 de novembro de 1996. Livro que consultei centenas de vezes. Dentro, um recorte da coluna de Herculano Vicenzi falando do necrológio encomendado por Meneghim ao colega Saavedra a meu respeito. Tinham certeza de minha morte. Era julho de 2000. Estamos todos vivos. Deus é piedoso!