O longo século 21
Observar como foi o século 19 e 20, segundo a ótica de historiadores como Eric Hobsbawn, ou mesmo os livros de Tony Judt, ou, ainda, de Roger Osborne e Rodney Stark, são verdadeiras aventuras intelectuais de porte. Não me canso, nos últimos anos, de refazer as leituras, sucessivamente, e me encantar sempre com as abordagens, a exuberância dos textos, a qualidade da pesquisa e da informação. De fato, a história tem o poder de nos conduzir pelos séculos, por civilizações e impérios surpreendentes. O século 19, de ascensão dos Estados Unidos e o 20, de duas guerras mundiais, do avanço científico e da globalização da economia e da cultura, com a ocidentalização do planeta – ao que parece veio para ficar, apesar da China e do terrorismo islâmico – igualmente, é surpreendente, quase hipnótico.
Agora, na abertura da terceira década do século 21, vimos que as mudanças e transformações continuarão velozes e radicais, como se perpassa dos quatro anos de governo Trump e dessa misericórdia final que assombra o Brasil. A polarização está-se ampliando para muitas nações e eleva-se a esquizofrenia dos bandos promotores da ‘nova democracia’. Estamos enfrentando a regressão democrática em acelerada compulsão e combustão. Tudo, ainda, agravado pela pandemia do Covid e pelo espetáculo da morte na era digital. O suporte emocional, econômico e social está-se esgarçando em todo o planeta.
Desenha-se, por aí, o longo século 21. Como sabemos todos, a tecnologia continua produzindo mudanças na economia e todo o roteiro seguido até aqui, desde o nascimento da era da indústria, não serve para nada. Economistas estão falando em novos modelos e de incertezas absolutas. Isto é, vamos trocar o pneu do carro andando em velocidade alta. Não sabemos como serão os próximos dez anos, mas sabemos que serão mais difíceis e complexos desde a crise de 2008. Nações ficarão mais distantes uma das outras e, dentro das nações, as populações ficarão igualmente mais divididas. Estamos caminhando para amplos bolsões de pobreza, de desemprego, de marginalização e sofrimento. Talvez o cenário do século 21 seja exatamente este, a do avanço das diferenças.
Nada semelhante ao que tivemos nos últimos 200 anos, de conquistas na área social, de qualidade de vida, de extensão da expectativa de vida. Há duzentos anos, de apenas 45 anos, avançamos para, no Brasil, os 73 anos. Não será sempre assim, bem pelo contrário. Apesar dos avanços da indústria farmacêutica e da medicina, com as próteses e transplantes, a pobreza deverá inchar as populações da periferia do mundo. É assim, agora, nos Estados Unidos e em várias nações da Europa. Tem sido assim no Brasil na última década e deverá ficar ainda mais dramático nos próximos anos. Particularmente no Brasil, onde desperdiçamos o avanço industrial, a tecnologia, a educação e a radicalização política parece nos prometer muita turbulência, até mesmo no prazo curto de daqui a pouco.
O século em curso, portanto, está repleto de grandes desafios. Antes, contudo, havia espaço para o crescimento, o bem estar, a urbanização, a escolarização, enfim. Agora, apesar da pandemia e dos surtos das variantes globais, governos estão falidos, a política em estresse acelerado, a educação em crise, as religiões quase perdidas. Sim, temos ainda para complicar a nova realidade, os crimes cibernéticos, as noticias falsas, o fim do jornalismo, novas moedas, o empobrecimento fantástico da vida e a perplexidade de milhões em todo o planeta. Sim, o século 21 não será apenas longo, será um dos mais terríveis da própria história.