Benemérito
(Discurso de Apolinario na solenidade de Cidadão Benemérito, 1º/08/2005)
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Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Notícias de minha infância, transcorrida em parte na Rua do Príncipe no início dos anos 50, dão conta de que manifestara o desejo de ser bombeiro. Adiante, a vocação religiosa me colocou num seminário. Doença grave me afastou da batina, dos livros e dos estudos, mas não me afastou de Deus.
Voltei para a cidade, para os remédios e para a vigilância da mãe Heliete e da vó Licota. De família não abastada, rápido fui para o mercado de trabalho. Comecei onde começam os sem estudo, como rapazote de serviços gerais. Começaram a elogiar o que escrevia no modesto jornal da empresa, a Companhia Antarctica Paulista, nos idos de l964 a 1968, e acabei como auxiliar de redação do jornal do meio dia da rádio Nereu Ramos, em Blumenau. Estávamos então em março de 1968. Em dezembro do mesmo ano, quase no mesmo dia 13 em que os militares editavam o Ato Institucional número 5, iniciava minha carreira em jornal. Ainda em Blumenau, mas já em A Notícia.
De lá para cá, foram 37 anos de catar letrinhas, de escrever, de editar, de escolher, de opinar. De ceder à emoção, cultivar o lirismo, espalhar a esperança, azedar o caminho de muitos, despedaçar, talvez, a esperança de outros. Jornalismo é uma profissão ingrata, veloz, mas sempre, apaixonante. E fui feliz na profissão que me escolheu, pois dela nasceu outra vocação em novo ramo, talvez mais nobre, mais silencioso, mas igualmente fascinante, a História.
Em 1977, depois de quatro anos com Pedro Ivo na prefeitura e de briga feia com A Notícia, me refugiei na biblioteca pública, num espaço que chamávamos de Arquivo Histórico. Atolado, literalmente, em papéis e livros, enquanto o prefeito Luiz Henrique negociava o acervo de Carlos Ficker, finalmente reconquistado por Joinville naquela época, recebi a sugestão de que poderia escrever um livro sobre Joinville. Estava, então, no último ano do curso de História e me coloquei a trabalho.
Curioso é remontar, anos depois, como os fatos se encaixam para explicar os roteiros diferentes que a própria vida se encarrega de nos servir. Estava lá às voltas com a leitura do magnífico livro de Carlos Ficker, quando um senhor instalou-se na biblioteca para a leitura de jornais. Trocamos dois dedos de prosa e no terceiro dia ele estava a me dar lições de como, afinal, escrever um livro. O cidadão era ninguém menos do que o historiador Creso Coimbra, militar afastado em l964, e autor de vasta e premiada obra. Ele me ensinou o caminho das pedras, de forma que a “História de Joinville, uma abordagem crítica”, estava pronta já em l979. A ele, saudoso Creso, prestei homenagem na publicação do livro, como, ainda, ao igualmente saudoso jornalista Osvaldo Silva, que me estimulou na juventude a ingressar no jornalismo.
Abençoado por bons mestres, sai pela vida a fazer reportagens, escrever crônicas, artigos e editoriais. Nas horas livres fui produzindo outros livros. Em menos de trinta anos, colecionei como autor mais de duas dezenas. Quase todas dedicadas a Joinville, e até mesmo a única obra de ficção, tem como chão o chão da minha terra.
Escrever livros de história é seguir poucas regras: disposição para milhares de horas de leitura; fôlego para escrever centenas de páginas com encadeamento, síntese e brilhantismo e ânimo para enfrentar, depois da obra publicada, o silêncio mortal de quase todos. E ainda assim, seguir para o próximo. E para o próximo, sempre com o entusiasmo da primeira vez e com a paixão fervente de que simplesmente é impossível viver sem aquilo. Aquilo é a longa viagem em torno de um tema. Que fascina, nos aprisiona, nos escraviza. A longa viagem que nos ocupa de forma quase absoluta, que nos faz esquecer o tempo, que nos afasta o cansaço, que nos estimula a continuar. Um livro não é um filho, como dizem. Um livro é uma aventura fantástica. Para quem escreve e para quem o lê.
Minhas Senhoras, meus Senhores,
Senhores Vereadores,
Permitam-me, neste momento de tanto significado e emoção, falar também de jornalismo. Venho de um tempo em que o jornalismo ainda era uma profissão marginal. Não mais romântico e delirantemente político como nos anos 30, 40 e 50, mas já ensaiava, em Santa Catarina, no início dos anos 70, um tom mais profissional. Jornalistas, contudo, ainda eram os homens inclinados às letras, chegados aos livros, capazes de redigir artigos imediatos, sob o impacto dos acontecimentos. Nada, absolutamente, que se compare aos tempos atuais. Vivi, e já sou dos últimos, a época do chumbo derretido, da oficina cheia de graxa e tinta, das ramas de paginação, da revisão ortográfica rígida de gramáticos “chatos” e de óculos e olhares pesados.
Os tempos eram outros, as dificuldades também. Além da censura, do medo e da dúvida, tínhamos que nos esforçar para sobreviver no fio da lâmina. E tínhamos, então, num grupo histórico de A Notícia, a noite e a energia da juventude para espantar fantasmas e caçar ilusões. Belas e delirantes noites. De conversa nervosa, amores relâmpagos e bebida farta. Tempos maravilhosos, de qualquer forma.
Agora, quase três décadas passadas e cerca de 9 mil editoriais publicados, o jornalismo é ainda mais imediato, mais emocionante e muito, muito mais exigente. Orgulho-me não apenas de ocupar por mais tempo o cargo de editorialista de A Notícia em todos os seus 82 anos, superando o recorde de Heráclito Lobato, que também esteve na mesma função por quase 20 anos. É possível até que não haja, no momento, um jornalista no país que tenha permanecido tanto tempo na mesma função. Duas décadas e meia de editoriais, desde junho de l979, à exceção de alguns afastamentos temporários.
A Notícia se reergueu desde l978, capitaneada por Moacir Thomazi e uma grande equipe de colaboradores e jornalistas. Quando lá cheguei, em l968, não tínhamos profissionais formados em curso superior, o que hoje é exigência legal. Agora somos mais de 130, espalhados por todo o Estado e o jornal resgatou integralmente o prestígio notável que usufruía até l944, ano de morte do fundador Aurino Soares.
O jornalismo agora é produzido em ritmo “on line”, ou seja, em linha aberta, simultâneo com a notícia. Tudo obedece ao ritmo louco da globalização e o jornal renasce a cada amanhecer cheio de reportagens, de fotos coloridas, de mapas e gráficos, com textos sobre economia, educação, esportes, cultura, política, etc. etc. Daqui ou de qualquer lugar do planeta onde estiver a notícia que interessa. Das bombas de Londres, às cuecas cheias de dinheiro nos aeroportos do país ou às malas milagrosas do mensalão de Brasília. E é sobre isso que trabalhamos todos os dias, na mesma velocidade dos fatos. É, confesso, ainda mais interessante do que já era, lá nos idos de l970!
Senhores vereadores,
Sois muito generosos ao me concederem o título de “Cidadão Benemérito”. Fiz o que faria qualquer outro nas minhas circunstâncias, pois como escreveu Ortega y Gasset, “eu sou eu e minhas circunstâncias”. Se contribui para a história e para a memória da minha cidade, agora sabeis como e porque. Nada foi planejado, mas tudo exigiu disciplina, esforço e silêncio. Muita disciplina, persistente dedicação. E se a Câmara me premia com tão honrosa condecoração, que me enche de orgulho e vaidade, preciso reparti-la com os meus, que tanto me ajudaram o tempo todo.
Queria repartir com a Rita, essa maravilhosa mulher, musa inspiradora e leal companheira de todas as horas, que viu nascer cada uma das minhas obras. Com ela, sempre, se mantém pleno e maduro um amor construído pela mútua admiração e carinho. Repartir ainda com o Thiago e a Bruna, nossos filhos, duendes encantados do jardim da nossa felicidade. A família sempre será o porto seguro de todos nós.
Desejo manifestar minha especial gratidão ao Vereador Darci de Matros, autor da proposição desta generosa honraria, assim como a cada um dos senhores vereadores, inclusive os da legislatura passada, quando foi aprovada essa homenagem, que não hesitaram em premiar um modesto jornalista com título tão nobre quanto honroso.
Tenho particular orgulho, junto com o colega Herculano Vicenzi, de ser autor de um livro sobre a história do Legislativo de Joinville. O nosso tempo, sabemos todos, são difíceis para os homens públicos, mas estejam certos, Vossas Senhorias continuam sendo, ao lado de outras instituições – como a família e a imprensa – os esteios da nossa democracia. Justamente porque atuam aqui, no município, onde vivem os cidadãos. A política, a exemplo de quase todas as demais atividades em que se envolve o homem neste início ainda de século, também enfrenta sua crise de identidade e também padece das limitações próprias do gênero humano. Mas é preciso não esmorecer e continuar, muito além de onde a maioria desiste ou sucumbe.
Política, jornalismo e história constituem a melhor tríade de toda a minha carreira profissional. Primeiro porque somos animais políticos, como disse Aristóteles nas proximidades do surgimento da democracia e depois porque não há como isolar jornalismo e história da política. Ela é a essência da História, assim como é o centro vital do jornalismo, cujo primeiro e único mandamento é a busca da verdade, da justiça e da solidariedade.
Senhores Vereadores,
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Nascido aqui, estudioso permanente de nossa história, já posso considerar-me um “cidadão joinvilense integral”.
Os deuses foram bondosos e os homens generosos para comigo.
Mais do que uma honra, isso é uma dádiva!.
Obrigado Joinville!