Correndo para trás
O Brasil de 2023 é um país que corre para trás. Sim, de costas para o futuro, voltando sempre à velha nostalgia de ter fé no amanhã, sem jamais ter passado algum. De que são feitos os passados do Brasil? De vento e desilusão, apesar do povo entupido sempre de esperança, mantido debaixo de elites cheias de desavergonhada ambição e cinismo.
Embarcamos em 2023 cheios da maior esperança de que tempos novos teriam chegado, após o vendaval de irracionalidades exibido por quatro anos seguidos. Enterrada as dores da pandemia e da direita rústica e machista, todos – ou melhor, a metade da população – acreditávamos que o Brasil haveria de melhorar. Sepultado o amargo passado recente, a nação se reconciliaria. Tempos edificantes estavam à beira do presente de todos. Foi um delírio coletivo, despertando os mais recônditos impulsos de brasilidade e nacionalismo. Enfim, a barbárie chegaria ao fim. Ainda que premiada com mimos das arábias.
Tudo em vão. Uma semana depois da posse, alcançamos a grande catarse do 8 de janeiro, com a invasão e depredação bárbara das mais simbólicas representações da democracia e da liberdade. Um arrastão que estilhaçou vidros e fez renascer a mesma e cansativa divisão de sempre. A nação contra as elites. As elites dos três poderes na luta desesperada pela preservação do sistema. Aos pedaços, o sistema tenta se reconstruir. Conseguirá, como sempre. Ao povo resta a consolação de adiar o sonho que jamais se realizou e é sempre adiado, para frente e para o nunca.
O exercício da presidência de Lula nos dois primeiros mandatos, depois de um período de isolamento em Curitiba, pouco está servindo. Ao contrário, em exibição já por quase 180 dias, temos um senhor de idade avançada convencido radicalmente de seu destino redentor e salvador. Não apenas do Brasil, mas do planeta. A prioridade não é o país que o elegeu, mas a reconstrução da paz na Europa. Rússia e Ucrânia estão à frente nas prioridades do supremo comandante. Seguem-se a redenção da Venezuela, a criação do bloco Sul Global, o carro popular, e a manutenção dos 37 ministérios. Como diria o poeta, no meio do caminho havia o Centrão. Essa é a pedra no meio do caminho. Robusta, monolítica, enfurecida, desesperadamente correndo por verbas, cargos e comissões. Tão desesperadamente quanto sempre esteve no Brasil de todos os tempos.
É o que temos na véspera do inverno de 2023. Uma corrida para trás, de costas para o amanhã, à beira, como sempre, de novo tombo.
Enquanto o mundo dá prazo para o automóvel movido por combustível fóssil, o Brasil quer trazer o fusca de 60 anos atrás. Quer furar poço na foz do Amazonas, enquanto os carros elétricos avançam nas estradas dos países ricos. Reestrutura o ICMS para repartir impostos e, de repente, podemos amanhecer com algum tipo de imposto sobre movimentações financeiras, que é fácil de cobrar e não precisa de fiscalização. É na fonte, direto na veia do contribuinte e nos cofres de Brasília.
É disso que estamos tratando. De remodelar a carga tributária e de garantir algo a mais do que 4 trilhões de reais que já arrecadamos para a esbórnia das elites. Viagens sucessivas para as grandes capitais do mundo, com direito a Boeing do Leviatã e reserva de andar inteiro nos melhores hotéis de capitais cinco estrelas, além de votos no Legislativo e de outras encomendas menos visíveis. Tudo isso custa dinheiro. Muito dinheiro. Muito mais do que custa uma só gravata nas boutiques de luxo de Paris.
Restituir financiamentos para aliados da esquerda, recuperar a Argentina – se é que isso é possível – pacificar a Ucrânia, acarinhar Putin e Maduro, conversar com Francisco e ainda esnobar a Casa Branca, são tarefas próprias de Hércules, ou de qualquer semideus nascido em Garanhuns.
Corremos para trás, dando saltos para o improvável, na esperança de que o futuro possa ser feito disso, de hipocrisia e mentira. Até quando? Até 2026?