Pela metade
Artigo para quarta, 26-03-14
–Apolinário Ternes
A mídia está cheia de relatos e cronologias sobre o golpe de março de 1964. Na passagem dos 50 anos, as análises são as mais despudoradas. Vão da elegia da democracia ao repúdio da repressão militar. Houve uma guerra, é bom que se diga, para a compreensão das novas gerações. Guerra que se repetiu na Argentina, no Chile, no Uruguai, com número de mortos e desaparecidos muito superiores aos do Brasil. (Na Argentina, 30 mil. No Brasil, 457 mortos e desaparecidos.) No estilo e na cultura do jeitinho, aqui as coisas foram brandas e jamais explicadas a contento. Com a anistia, em 1979, se decidiu colocar um ponto final. Agora reaberto por conta da revisão das comissões da verdade, instaladas a partir do ponto de vista do PT.
Houve o golpe militar porque a nação estava em completa bagunça, tanto no plano social, quanto político e econômico. Tivemos duas décadas de ditadura forte, até 1984. Depois a reabertura lenta, gradual e segura de Geisel, até desembocar no ‘prendo e arrebento’ do general Figueiredo. Por ironia da história, o golpe se liquidou na eleição de Tancredo no colégio eleitoral, depois de pavorosa demonstração de covardia do Congresso Nacional, que optou pelas indiretas. Acabamos em José Sarney e na Constituição de 1988, instaurando o reino da utopia. O país ‘emergente’ só viria depois do plano real, de 1994. Daí, demos um salto para a experiência socialista do PT e o cenário atual, igualmente inquietante e desorganizado. Esse, o roteiro dos últimos 50 anos do país.
Ditaduras acabam, mesmo as que duram meio século, como a de Cuba. Afirmam que estamos na ditadura do PT, que, de fato, tem paixão irrefreável pelo autoritarismo, o mandonismo e a apropriação de bens públicos pela elite dirigente. Assim, continuamos distantes da democracia idealizada e preconizada na Constituição de 88. A desigualdade é a marca do Brasil, a corrupção uma sólida grife nacional. A Petrobrás, nos jornais, comprova a coisa. Em construção, para alguns, somos uma potência inevitável. Para outros, o paraíso do ‘foi sempre assim’. Em quem você aposta para os próximos 50 anos? A verdade é que nem somos uma nação razoável, nem somos a emergência que anunciam. Somos um país pela metade, onde os ricos ficam mais ricos e os pobres ‘protegidos’, ao menos na retórica. É só conferir na tevê, os dois países desfilam todos os dias. Continuamos devendo a metade mais importante, a nação real por construir. Nesse tempo, Alemanha e Japão se tornaram potências. É bom pensar nisso.