Governo mundial
Nos últimos 300 anos, dezenas de escritores, filósofos, gurus espirituais, economistas e até mesmo políticos, defendem um governo mundial. De novo, a proposta parece prosperar como decorrência do ‘agravamento e multiplicação das crises’ em todo o planeta.
É simples e explícito. Vivemos uma crise colossal em quaisquer aspectos em que se direcione a análise. De todas, a mais dramática é a crise climática. É global, contínua e avassaladora. Todas as semanas, para não dizer todos os dias, somos confrontados com tragédias aqui e acolá. Não há território ou população que escape das rebeliões da natureza. O calor é geral, a fome é universal, a angústia e o medo planetários. O que fazer?
Está na hora de fazer o que se discute há três séculos: a governança global.
Pode parecer utopia e, talvez, seja mesmo. Utopia, contudo, que precisa se realizar, e com urgência. Não podemos continuar a fragmentação geral dos territórios e a mutilação impiedosa de povos. Sim, nunca antes estivemos metidos em apuro tão grave quanto imediato. Para situações excepcionais, soluções excepcionais.
Cuidar do planeta é tarefa urgente e exige posturas ousadas e consequentes. A partir de modelos já existentes, como a ONU, Banco Mundial, Fundo Monetário, Cruz Vermelha, União e Parlamento Europeu, pode-se construir um novo arcabouço jurídico-institucional capaz de promover a governança mundial. Um sistema que, aos poucos, reduza doenças como nacionalismo e colonialismo e coloque no lugar – na mente e nos corações – solidariedade, compaixão, desapego e igualitarismo. Não são abstrações filosóficas, mas valores reais que devem preservar os humanos que ainda somos. Assim, nas bordas dos avanços científicos das últimas décadas, como a computação, a engenharia genética, células tronco e, agora, inteligência artificial.
A humanidade nunca foi tão rica quanto agora. A riqueza se multiplica em todos os lugares, mas a grande e dramática urgência é distribui-la melhor. O segredo e o desafio estão justamente em distribuir a riqueza e melhorar a qualidade de vida de milhões de pessoas. Nunca foi tão possível quanto agora realizar tal avanço. Os mecanismos estão aí, explicitamente colocados à nossa frente. É preciso, contudo, iniciar a grande mobilização mundial em favor de uma governança. Sim, economia mundial, moeda única, um só sistema político: aberto, participativo, informatizado, capaz de produzir decisões de amplitude global.
Com a ciência e tecnologia que já produzimos, será possível saltar para o ‘ócio criativo´, o grande argumento de Domenico de Masi que escreveu dezenas de livros para defender um novo, solidário e criativo ‘modo de vida’. Devemos pensar na grande revolução do século 21, cuidando do meio ambiente, cuidando de pessoas, fortalecendo a solidariedade, excluindo a exclusão e domesticando os economistas, os políticos e reavaliando valores como empreendedorismo, emprego, renda e criatividade. O destino do homem, supomos todos, é alcançar a felicidade, a contemplação, a dignidade. Só alcançaremos esse estágio, se deliberarmos pela unidade global, pela governança global, pelo respeito ao ser humano em sua integralidade.
Sim, a humanidade já testou experiências desse tipo, em tempos, contudo, de quase nenhum avanço em ciência e tecnologia: na Grécia clássica dos séculos 5 e 4 antes de Cristo. Depois, no cristianismo primitivo. Fez-se até uma ‘revolução geral e absoluta’ em 1789 na França, quando se promulgou os direitos humanos.
Está na hora de a humanidade se engajar em nova explosão de coragem e de fé no futuro. Um governo só, um único sistema, mais igualdade e dignidade para todos. Em todos os cantos do planeta. Ou recuperamos a dignidade, ou não teremos futuro a celebrar. Podemos morrer daqui a pouco, com o planeta. Em sucessivas tragédias climáticas, políticas, econômicas. Enfim, o apocalipse, tal e qual descrito tantas vezes desde a inclusão do tema na Bíblia dos cristãos, na Torá dos judeus e no Alcorão dos muçulmanos. (aternes@terra.com.br/ 20-09-2013)